O Hospital do Engenho de Dentro faz cem anos no dia 11 de junho. Nem o Hospital de Pedro II,na praia Vermelha, que o precedeu, conseguiu tal façanha. Foi transferido para o Engenho de Dentro, já velhinho, aos noventa e um anos. Mas o seu sucessor é mais resistente. Me chamaram para participar dos festejos de seu aniversário. Não estou no Rio. Estarei em Teresina lançando o “von Meduna”, que fala dos cem anos do Hospital Areolino de Abreu de Teresina. Que é lamentado, não comemorado. Portanto, não iria.
É que o lema “por uma sociedade sem manicômios”, da Reforma Psiquiátrica, não pode festejar a longevidade de um deles. Seríamos incoerentes. Dediquei quase trinta anos da minha vida para que ele não comemorasse essa horrível data. Perdi toda uma luta, relatada no meu livro “Ouvindo Vozes”. Mas tem os que não querem ouvir vozes, as vozes dos deserdados da razão, e, surdos, comemoram os porões; os que louvam os manicômios que soterram vidas, que o projeto anterior tentou libertar. Quando me despedi dos meus amigos marcados pela loucura, chorei porque fracassei na missão que arduamente empreendi com a equipe a que me orgulho de ter pertencido. E os que entenderam essa luta também saíram, tristes e chorosos, como são os perdedores. Sei que há companheiros de jornada que não compreenderam minha saída. Mas, eu afirmei, naquele triste dia, que ou o projeto avançava ou haveria recuos que eu não suportaria assistir. Não se podia segurar o ponto alcançado. Ele era instável. Ou ia à frente, e tentamos propondo uma mudança de rumos que a burocracia de um Estado conservador não aceitou; ou recuaria, como tristemente, não só eu, estamos testemunhando.
Alguns desses monstros que fizeram cem anos (São Pedro, em Porto Alegre; Tamarineira, em Recife; Barbacena, em Minas), renovaram sua roupagem e pararam de ampliar a prática manicomial. O de Engenho de Dentro mantém os espectros do passado. Pavilhões a ruir como se a própria idade do velho manicômio fosse construída das carnes podres de vidas que foram devoradas nas suas entranhas. O monstro vive e faz cem anos. E pior, nominado de Nise da Silveira, que lutou contra sua força coercitiva. E eu me culpo. Quando propus a mudança de nome, propunha também a quebra do manicômio. Ele foi mais forte. E aprisionou a Dra. Nise no seu passado. E faz cem anos apagando velas com força do seu vigor. Não em nome de um natimorto Instituto Municipal Nise da Silveira, mas na vitória da psiquiatria tradicional em nome do Centro Psiquiátrico Pedro II. É ele, filho do Hospício Nacional republicano, ressuscitando o Hospício de Pedro II da Praia Vermelha, quem faz cem anos no vigor da tradição. Como poderia o Instituto Nise da Silveira fazer cem anos, se ela acabou de comemorar seu centenário? Triste sina.
Para os que só sabem viver dentro do manicômio, a dada deve ser comemorada. Há funcionários também prisioneiros do manicômio e que podem morrer na sua extinção. Para esses, Mamãe faz cem anos. Eles mesmos, se pudessem, fariam cem anos dentro do manicômio.
MAMÃE FAZ CEM ANOS
Edmar Oliveira, postado em Piauinauta
Pense num cabra de prosa boa, Von Meduna e a loucura no sertão será daquelas palestras que a gente aprende coisas e ainda sorrir, com certeza.
O lançamento do livro Von Meduna e a filha do Equador acontece dia 12 às 15 horas no espaço dos Fóruns temáticos
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