Aos meus leitores anônimos e assíduos ou não: "A Cesar o que é de Cesar". Em linguagem técnica nesta postagem usarei o termo paciente a usuário. O grupo de apoio e suporte Amigo no Ninho, é composto essencialmente por pessoas fragilizadas por seus sintomas, condições sociais, de conflitos familiares, existenciais e ideação suicida. Doravante, seguirei fielmente a recomendação da Cartilha do Facilitador do Eduardo Mourão Vasconcelos, anonimato, do "meu povo".
Temos pacientes dos mais diversos psiquiatras da cidade ou estado, pacientes de um novo tipo: esclarecido, com nível superior, profissionais da saúde mental ou não. Estes são capazes de fazer uma crítica, lutar pelo direito de esclarecimentos máximos e etc. Outros não. Analfabetos funcionais, sem formação política popular são incapazes de quaisquer discernimento de algo que os prejudique. Lutam pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), que ainda chamam de aposentadoria. Acham que não conseguem trabalho em Teresina, porque lojas, empresas, repartições tem acesso a cadastro de ex pacientes do SAME do HAA.
Assim foi que Bia, esta é a última vez que citarei seu nome por aqui ou de quaisquer outra pessoa vulnerável, pegou uns vales transportes na minha mão e seguiu para o HAA, sob meus protestos. Mas trabalhamos para autonomia do paciente, acreditamos nisso. Ligou-me umas duas horas da tarde, eu estava azul de fome, sentada enfrente a atual coordenadora da farmácia dos excepcionais, acabando de ser informada que a há dois meses não tem respiridona 2mg. Muito feliz Bia, me informa que o médico, ou médicos que a atenderam mudaram seu diagnóstico de esquizofrenia para bipolaridade. Bom para auto-estima dela. Mas dá para diagnosticar numa única consulta? E os psiquiatras anteriores que a vinham acompanhando estavam errados? Mudaram a medicação. Ela terminou a ligação dizendo que me aguardava para ensiná-la com tudo: Nossa! 560 comprimidos traz ela num saco. Um coquetel psi com haloperidol, clorpomazina, amitriptilina,carbamazepina, cloridrato de biperideno e diazepan. Como esquizofrênica ela usava um comprimido de respiridona 2mg por noite e se mais agitada uma bandinha de clonazepan . Desenhei uma lua, significando tomar todos à noite e dividi-os por cores. Guardei o número maior em uma sacola e cartelas usáveis em uma caixinha de madeira decorada que lhe dei de presente. Estou tremendamente triste. Sinto-me esfaqueada. A poderosa psiquiatria biológica me manda um recado do seu poder junto com um abraço. Abraço aceito. Rendo-me mas não firam meu povo. Bia dorme em sua redinha verde, na sua casa-sala, sozinha, pediu que eu deixasse os telefones ligados caso sentisse alguma coisa com as novas medicações. Eu choro. Nenhum documento chegou a secretária, todos foram deixados à mesa da interina da SUPAT, até hoje, Cristiane Moura Fé. Já apresentei-me a escola. Darei aulas de História no ensino médio. A super enfermeira assessora me informa que o nome já foi escolhido. Esta batalha pode está perdida. Tentaremos enquanto movimento de usuários negociar com a direção do HAA a permanência da enfermaria de crise. No inicio não acreditava em seus efeitos sócio-educativos, mas vi Dr. Ralph segurar familiares que nunca cuidaram nem em casa de seus parentes, ficaram lá como acompanhantes e hoje estas pessoas estão no serviço aberto. Se voltaram ao ciclo de internações integrais é por conta de mau acompanhamento psicossocial de algumas equipes.
Talvez precitadamente, mas faço uma avaliação do desfecho desta situação, se dá na indicação de um técnico alheio ao movimento, adepto da psiquiatria biologicista, sem experiência com a ponta. Nosso erro seria uma falta de interlocução dentro do próprio movimento de usuários: medo da exposição de vulneráveis e técnicos que "torcem", mas não lutam, tem medo, não jogam junto com o usuário. Duas iniciativas de defesa de um nome para gerência. Uma que fechava na permanência de Gisele Martins, elaborada por técnicos sem os usuários, pelo menos o Ninho não participou. A outra iniciativa nossa, foi para dar outras alternativas.
A vocação do Ninho é apoiar na crise, e não quero que nos percamos. Há muita coisa a fazer. Nosso povo tem muito a aprender a viver a loucura com saúde e cidadania. A política atual é de césares. Deixemos a eles!!!