Deus não me poupa, já disse. Os loucos sempre fizeram parte da minha vida desde criança. Cresci indo ao médico psiquiatra ( graças a Deus não havia CAPS i), doutor Bezerra, senhor magrinho, com um tique nervoso que faz seu pescoço virar todo para trás ao mesmo tempo que dá pequenas cuspidinhas (não lembro muito bem, mas acho que cuspia), mas me divertia, nunca tive nenhum problema em tomar medicação e ser um tanto estranha ou conviver com gente parecida comigo. Na adolescência, ia visitar meu avô paterno no extinto sanatório MEDUNA, não entendia bem, os adultos diziam que ele ia repousar.
Agora, se alguém do bairro está em crise, uma pessoa sempre vem até mim e me conta. Se for homem, não posso fazer muita coisa senão informar a família sobre a rede de serviços, municipal e estadual. Optamos por trabalhar somente com mulheres, por falta de estrutura da ONG, sem sede, atendemos em nossa própria casa. Nesse momento estou preocupada porque eles ou elas estão sempre informando sobre falta de medicação e não são bem tratados nos CAPS. Dá uma tristeza para quem acompanhou a concepção teórica do que seria a rede substituta do hospital psiquiátrico, antimanicomial, ou seja desinstitucionalizadora da doença mental, não mais espaços de tratamento onde as pessoas perderiam sua identidade para a doença, sua liberdade física, mas espaços de reabilitação para reinserção na comunidade.
Uma psiquiatria sem hospício. Inclusão no mundo do trabalho, em projetos de inclusão digital, chega desse negócio que todo louco é artista, pode até ser, mas como os normais não ganha dinheiro aqui no Piauí, vivendo só da arte. Não vemos nenhuma iniciativa institucional de geração de emprego e renda para aqueles com sintomas em remissão. Não vemos infelizmente um número significativo de desvinculação destes usuários dos CAPS, para rede ambulatorial, nos ambulatórios não temos psicólogos, mal encontramos em alguns ambulatórios municipais e hospital dia do HAA, o atendimento com o psiquiatra, voltamos a clínica somente medicamentosa, a psicoterapia volta ao terreno do sagrado e inacessível aos usuários do SUS. Alguns psiquiatras dizem que por isso os mantém semi intensivos nos CAPS, pela existência da equipe multidisciplinar. Mas penso, se não estou mais numa crise aguda, não me faz bem está constantemente convivendo com outros neste estado. Se preciso de um pronto socorro ou fazer uma cirurgia que exija internação só ficarei no hospital geral o tempo necessário. Imagina, ter que voltar para trocar curativos no HUT por meses ou até anos. Por que não se racionaliza que a doença mental pode ser tratado igualmente, saiu da crise aguda: consultas de manutenção ao psiquiatra como prevenção de recaídas, psicoterapia, se houver necessidades, nem todo psicótico tem problemas emocionais, o máximo fatores extressores externos como problemas de falta de trabalho, enfrentar o estigma e preconceito, etc podem provocar a volta de sintomas e acesso a práticas integrativas e complementares que auxiliam na estabilização dos sintomas por mais tempo junto à medicação.
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