quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

PARECER SOBRE CAPS E POLITICAS DE SAÚDE MENTAL PELO CFM

Uma discussão enviada por Dr. Edmar Oliveira do Rio sobre o papel dos CAPS III , "acolhimento", internação. Urgência ou emergência. Emergência era minha primeira noção, depois de ouví-lo entendi o que ele chama de turno noturno do CAPS II. Durante o dia o CAPS III funciona como CAPS II.



DISCUTINDO UM PARECER
                            (ou "A Soberba sem Disfarces")
                   Márcio Amaral (prof adj UFRJ e UFF, vice-diretor do IPUB-UFRJ) 

  O parecer apresentado pelo médico Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, a pedido do CFM (sobre os CAPS e as políticas de SM), inicia-se por uma declaração sugestiva de que o tão falado "complexo de vira-latas" continua imperando em certos setores de nossa sociedade:
"Em outros países o óbvio seria que as políticas públicas executadas pelo governo estivessem de acordo com as leis em vigor, mas no Brasil....". 
   Diferentemente do que se passava com a gente simples, porém, essas pessoas quando falam mal de nosso país, e do seu povo, excluem-se da crítica, como se dissessem: "Eu não tenho nada a ver com isso". Não é por acaso, até porque, agem como se fossem uma casta à parte. É esse o espírito que impera em todo o parecer que vamos discutir. 
    Comecemos nossa crítica, entretanto, pelas concordâncias com o parecerista.
Consideramos haver mesmo alguns excessos na aplicação das políticas públicas por parte do MS e também um certo exagero nas funções atribuídas aos CAPS (especialmente os assim chamados CAPSIII), mas o balanço do papel dos dois primeiros, melhorando a qualidade de vida de inúmeros pacientes, é inegável.
   Embora todos os CAPSIII que conhecemos funcionem associados a unidades de atendimento médico, os textos referentes ao seu papel deixam mesmo margem a muitas dúvidas. Há ali algumas atribuições que avançam (ou deixam margem para isso) na atividade mais propriamente hospitalar e médica. Há que deixar bem claro, é verdade, a necessidade da presença obrigatória de assistência médica, propriamente dita, em qualquer situação que envolva permanência de pacientes em urgência ou emergência. São essas ambiguidades e excessos que colocam em risco um modelo que já vem dando excelentes frutos.  
   Passemos agora à soberba e ao ranço que emanam de todo o parecer. Em suas três primeiras páginas, o parecerista se dedica à invasão da área dos juristas, sem qualquer cerimônia, expressando-se como se fosse um Ministro do STF. O mais curioso, é que todo o parecer tem por fim lutar contra uma possível invasão de competências. Se, pelo menos, ele citasse em que considerações de algum jurista se baseou?!
  No que se refere à questão propriamente dita, o parecer se baseia em duas teses.
1- O atendimento e participação dos pacientes nos CAPS nada mais é do que uma forma de "internação hospitalar disfarçada".
   É muito típico de algumas mentes reduzir o desconhecido ao conhecido. Há mesmo pessoas que demoram a entender que o mundo avançou, passando a como que "espremer" os novos acontecimentos e conceitos, de maneira a que caibam na "fôrma" em que suas próprias mentes se criaram. S. Tomás de Aquino escreveu, certa vez, que os homens reduzem tudo ao "metro da sua própria inteligência". Isso poderia explicar a confusão que o parecerista tentou fazer entre: 1-um local ao qual os pacientes se dirigem espontaneamente, lá ficando enquanto sentem vontade (os CAPS em geral) e um outro no qual são atirados e esquecidos, deixando de exercer seus direitos civis ("Hospitais" de triste memória). 
  Mesmo aceitando que há internações no mínimo discutíveis nos CAPSIII, a situação é totalmente diferente nos dois tipos de instituição. Nos CAPSIII é fixado um prazo máximo de permanência "sete dias corridos ou dez intercalados em um período de trinta dias", medida tomada, certamente, para evitar o "hospitalismo". Qualquer pessoa que trabalhou em enfermarias psiquiátricas sabe como é grave o problema de pacientes que, por medo de retornar à sociedade, chegam a forjar sintomas de maneira a não receber alta. Já no modelo defendido pelo parecerista, os pacientes tenderão simplesmente ao esquecimento em enfermarias impessoais. Para o primeiro dispositivo, a internação é apenas um incidente no percurso dos esforços para recuperação. No outro, é uma espécie de fim em si ou, o que é pior, um "fim de linha".
  A partir de algumas fragilidades observadas em relação aos CAPSIII, o parecerista, revelando pouca honestidade intelectual, generalizou suas críticas a todo o modelo de Assistência Psicosocial, como se ela fosse um mal em si e também como se as possíveis deformações observadas nos CAPSIII comprometessem todo o modelo. São evidentes seus esforços para que tudo volte a ser apenas como antes, quando mais 90% dos gastos com saúde mental eram destinados ao pagamento de AIHs. A Reforma Psiquiátrica feriu mesmo muitos interesses.
 
2- Aquela "forma disfarçada" de internação privaria os pacientes psiquiátricos de "cuidados integrais" e do "melhor tratamento" (ministrado em hospitais e quase que somente por médicos)
   Para que esta discussão não vagueie pelo abstrato, nada melhor do que lembrar de um passado bem recente, anterior ao fechamento dos "hospitais-colônias", quando milhares de pacientes eram abandonados em enfermarias insalubres, e os "cuidados integrais" reduziam-se a um médico para algumas centenas de pacientes. As únicas coisas "integrais" que existiam ali, eram: a permanência por tempo integral (e indeterminado) e o pagamento integral de AIHs. E ainda há quem pense que em ambientes desse tipo pode haver "melhor tratamento"!!
   Que o parecerista tem o vício insanável de ver o hospital como único dispositivo terapêutico, fica evidente na citação:
"...os absurdos da política do "acolhimento" não cessam aí...os procedimentos de "acolhimento" e "desacolhimento"--na verdade, internação e alta hospitalar--- são determinados por profissionais não médicos; e as internações involuntárias posto que "meros acolhimentos", não são comunicados ao MP. Ao abuso e à ilegalidade, adiciona-se a fraude" .
     É nesse parágrafo que se pode observar a capacidade que tem o parecerista para torcer as informações de maneira a poder concluir algo que atenda aos seus próprios interesses. Como foi assinalado no próprio parecer, é da índole dos CAPS o desestímulo e a resistência às internações (máximo de sete dias...). Quem internava pessoas atendendo demandas espúrias de parentes, ou outras pessoas, eram os diretores de certas clínicas privadas. Ademais, e antecipando-se aos juristas, ele já deu seu veredicto quanto às ilegalidades, etc. Quanta soberba!
   Há, ainda, ali, uma sutil confissão: se todo atendimento médico visa acolher as pessoas (ponto de partida de um silogismo) e as altas hospitalares são desacolhimento, logo (conclusão necessária) a internação deve ser a referência e o objetivo maior de todo tratamento psiquiátrico.  
    Por fim, e para que as pessoas, não muito familiarizadas com o problema, tenham um idéia do ambiente que se respira entre os profissionais de saúde mental, as publicações da ABP trazem em sua capa a seguinte frase: PUBLICAÇÃO DEDICADA EXCLUSIVAMENTE À CLASSE MÉDICA, como se não conhecessem o significado da palavra publicação, e pudessem agir como os monges da idade média tão bem retratados em "O Nome da Rosa". Considerando que a tal restrição à leitura por outros profissionais é totalmente incontrolável, aquela é apenas uma espécie de "declaração de antipatia explícita e generalizada".
   Quando estava em campanha para se tornar presidente da ABP, seu atual presidente, com o apoio da direção do CFM, declarou:
"...porque nós chegamos dentro (!) do CFM e poderemos fazer algo, unindo o CFM com a ABP" (JBrasiliense de Psiq. maio de 2010). 

  Na mesma edição, apresentou ele sua plataforma baseada em:
"...3 pilares: defesa corporativa, defesa acadêmica, defesa da prática clínica".
Nenhuma palavra que revelasse a mínima preocupação com a saúde dos cidadãos em geral. Essa parece ser a verdade mais profunda dos meus colegas que hoje dirigem a ABP e que inspiraram o parecer que me demorei a discutir.  Para quem milita na área há mais de trinta anos, e que dirigiu a clínica do maior hospital universitário psiquiátrico do Brasil (além de ter exercido sua direção geral), não deixa de ser um pouco triste constatar, mais uma vez, os caminhos trilhados por nossas associações representativas. 
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PSIQUIATRIA SEM HOSPÍCIO

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