Muitas famílias ainda pretendem guardar numa redoma de cuidados uma pessoa que tem mais de trinta, bipolar e que pretende morar sozinha. Certas famílias conseguem manter seu ente querido sob suas asas protetoras... e às vezes conflituosa convivência que provoca a constante ciclagem da doença.
Vi semanas atrás nos noticiários piauienses uma família que procurava um rapaz universitário. A família dizia que ele era deprimido e que tinha saído de casa com uma mochila (bem arrumada) e um violão. A irmã mostrava receita que este usava psicofármaco (Seroquel, deu para ler...), vi cartazes em lugares públicos e tudo. Até peguei telefone da família para ligar oferecendo ajuda. Não foi necessário, amigo cuidador do Ninho, amigo do rapaz me comunicou que este havia saído para passar uns dias na casa de uma pessoa de seu afeto. Ora, mochila e violão, quando ouvi a notícia no jornal, logo imaginei que esta pessoa havia saído para viver a vida. Só que quem tem um transtorno mental está sempre sob suspeita de crise em suas atitudes. Já acostumei a registrar tudo. Andar com atestado médico que estou numa crise ou não. Está lá na CID as numerações, ( a minha é F30 ...) em crise aguda, moderada, leve ou em remissão.
Morar sozinho é bom porque angariamos certa autonomia emocional, principalmente, mas é preciso reconhecer para nós mesmos que precisamos de cuidados. No inicio, eu esquecia de pagar contas de luz, a CEPISA cortava. Era horrível! Ou esquecia de coisas simples e importantes ou não conseguia fazer: comida. Foi uma época que fui bem magra. A casa simples e sem móveis. Como qualquer normal pode começar. É não se desesperar. Trouxe minha cama e ganhei um concurso de contos no departamento de letras da UFPI, então comprei fogão usado e filtro. Geladeira, ganhei de um irmão em pagamento a uma dívida. Televisão também comprei usada e o problema da comida, já que na época era apenas estudante e bolsista, aluguei um dos quartos da casa para um amigo. Que pagava o aluguel e gentilmente enchia a geladeira. Morreu em uma internação psiquiátrica. Alugar o quarto para um igual foi tido como mais um ato de loucura minha. A família ficou apavorada e perdi o namorado normal. Fazer? Continuar...
No inicio também fui hostilizada por vizinhos. Mas devagar reconquistei meu "espaço da razão", apesar de que na rua que moro há exatos 15 anos, há um folclore que na minha casa nem os cães são normais. Não tenho como insulto, é verdade, na minha casa todos fazem questão de parecer um pouquinho comigo. Não moro mais sozinha, tive marido, tenho filho , cachorros e uma diarista, que é meu "Alfred", mordomo do Batman. Meus dois braços, pernas e ás vezes a cabeça.
UMA FORÇA
Para minha amiga C. que fui à sua casa ontem. Casinha confortável e vazia de móveis desnecessários. Alugada. Fiquei comovida. Espero muito que você consiga manter sua conchinha gostosa, onde acalma sua mente, reorganiza suas emoções. C. como eu viveu experiências manicomiais radicais. Formada em Ciências Sociais, sensível, inteligente. Querendo uma chance de reabilitação de "liberdade" nessa sociedade normatizadora. Força, querida!
Madileuza