quinta-feira, 18 de abril de 2013

PL 7663/2010 E SEU SUBSTITUTIVO: Retrocesso na políitca sobre drogas no Brasil

CARTA AOS DEPUTADOS FEDERAIS


Excelentíssimos Senhores Deputados Federais,


Referente: Projeto de Lei 7.663 de 2010, na pauta para votação na Câmara dos Deputados, apresentada pelo Deputado Osmar Terra/PMDB/RS, que “acrescenta e altera dispositivos à Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, dispor sobre a obrigatoriedade da classificação das drogas, introduzir circunstâncias qualificadoras dos crimes previstos nos arts. 33 a 37, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e dá outras providências” e seu Substitutivo, apresentado pelo Deputado Givaldo Carimbão, Relator da Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas que “acrescenta e altera dispositivos da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas, tratar do financiamento das políticas sobre drogas e dá outras providências”.


AS ENTIDADES E MOVIMENTOS QUE ATUAM NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA E NA LUTA ANTIMANICOMIAL vêm por seus representantes que subscrevem a presente carta, à ilustre presença de Vossas Excelências, INFORMAR E REQUERER O QUE SEGUE, pelas razões que passam a expor:


A tramitação do Projeto de Lei - PL 7.663 de 2010, de autoria do Deputado Osmar Terra, que se encontra como prioridade na pauta para votação na Câmara dos Deputados, e seu Substitutivo apresentado em 17/12/2012 pelo relator da Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, Deputado Givaldo Carimbão tratam de tema de grande repercussão social e de relevantes questionamentos sobre violações dos direitos humanos dos usuários e dependentes de drogas, notadamente do crack. Entre várias medidas, é sabido que alguns Estados da Federação, sobretudo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, têm implementado em sua política de combate ao crack as internações compulsória e involuntária, sendo muitos os pareceres e posicionamentos contrários de entidades, grupos, movimentos sociais e populares, em todo o Brasil, com argumentos consistentes que merecem especial atenção pela relevância do tema e implicações da medida do ponto de vista ético, jurídico e político.

DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS DO PL 7663/2010 E SEU SUBSTITUTIVO

Além de assegurar a possibilidade de internações forçadas, o PL 7.663/2010 e seu Substitutivo propõem, entre inúmeros outros equívocos e controvérsias, o que se segue:


- Reconhecem apenas serviços que trabalhem no viés da abstinência, negando uma estratégia de tratamento eficaz e mundialmente utilizado, a Redução de Danos;


- Garantem, nos chamados programas de reinserção social, vagas no sistema de ensino e de trabalho apenas se o “postulante abster-se do uso das drogas” e o descumprimento desta exigência “enseja desligamento do mesmo”;


- Criam a possibilidade de pagamento, com recursos públicos, de internações em estabelecimentos privados, propondo, além de tudo, uma perversa distinção: (1) internação voluntária: pagamento pelo poder público; (2) internação involuntária: pagamento pelo SUS;


- Propõem remuneração aos membros dos Conselhos de Políticas sobre Drogas, em suas três instâncias, numa lógica distinta de todos os conselhos já constituídos no Brasil;


- Desconhecem e desrespeitam o protagonismo e opinião dos usuários, alijando-os de todo o processo metodológico empregado na avaliação e acompanhamento dos serviços oferecidos pelas instituições financiadas;


- Avalizam o retorno das práticas higienistas, desumanas e arbitrárias, ferindo direitos fundamentais de crianças e adolescentes, obrigando o poder público a providenciar o imediato acolhimento institucional desta população, quando em situação de rua;


- Banalizam o dispositivo da internação de usuários e dependentes de drogas, repetindo-o ad nauseun, ignorando, com descaso e negligência, sem nem mesmo citar, a rede de serviços substitutivos do SUS, opção primeira de qualquer tratamento digno e de qualidade;


- Aumentam o período de aplicação das penas quando do porte de drogas para consumo próprio, sem definição de critérios claros para diferenciar usuário de traficante.

PORTANTO:

1) Entendemos que a aprovação de um Projeto de Lei como o PL 7.663 de 2010 e seu Substitutivo, sendo aprovados para o que se propõem, constituirão uma violação ao princípio do não retrocesso, tendo em vista os reconhecidos avanços das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, da luta antimanicomial e da Política Nacional para a População em Situação de Rua.

2) A Constituição Federal garante direitos individuais e coletivos aos cidadãos, estabelece como princípios basilares em seu artigo primeiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana e como garantias e direitos fundamentais, disposto no artigo 5°, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Em nosso entendimento a PL e seu substitutivo constituem ameaças de violação de todos esses direitos.

3) O direito a saúde é um direito social, fundamental, inalienável e indisponível (art. 6º da CF/88) e tal imposição legal implica em consequências práticas, sobretudo no que tange à sua efetividade, com a materialização em políticas públicas. No caso em tela, defendemos políticas públicas dignamente financiadas, substitutivas à lógica manicomial, corajosas, ousadas e inovadoras. Destacamos a Política de Saúde já estabelecida para o tratamento de usuários e dependentes de álcool e outras drogas, que apresenta a importância dos Consultórios de Rua, dos CAPS-AD, da estratégia da Redução de Danos, dos leitos em hospitais gerais e dos Centros de Atenção aos moradores de rua nas modalidades específicas da Política Nacional.

4) O direito a saúde também encontra guarida na própria Declaração Universal da Organização das Nações Unidas – ONU, de 1948, que declara expressamente que a saúde e o bem-estar da humanidade são direitos fundamentais do ser humano. No mesmo sentido, nas Convenções e nos Tratados internacionais, reconhecidos e ratificados pelo Brasil, também são encontradas referências ao direito à saúde como direito social, como é o caso do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966.

5) Políticas emergenciais de internação involuntária e compulsória caminham na mesma direção dos modelos repudiados desde a década de 40 do século XX, rejeitados pela luta antimanicomial e pela reforma psiquiátrica, que demonstraram a ineficácia do sistema de segregação em equipamentos fechados, que representavam espaços de reclusão, miséria e reprodução da violência. A internação somente é possível como ÚLTIMA forma de tratamento, depois de esgotadas todas as alternativas na área da saúde e demais políticas sociais de garantia de direitos, pois como afirmou o Egrégio Tribunal de Justiça do próprio Estado de São Paulo, “restringir direitos fundamentais da pessoa é sempre uma decisão a ser imposta com redobrada cautela, por consubstanciar exclusão de faculdades naturais, e que são próprias da cidadania” e ainda que a “internação compulsória é medida drástica e importa em privação da liberdade”. Assim, não temos dúvidas quanto à frontal violação dos direitos humanos e principalmente ao Princípio do Não Retrocesso.

Diante dos pontos apresentado, nós, na condição de entidades e movimentos que atuam na defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos portadores de sofrimento mental, informamos a Vossas Excelências nosso total desacordo com tal Projeto de Lei e seu Substitutivo, tendo em vista, como já é de conhecimento público, que as propostas neles contidas, buscam atingir, em sua grande maioria, a população em situação de rua, sejam adultos, adolescentes ou crianças.

É este mesmo furor higienista, violento, preconceituoso e arbitrário, que assola o nosso país nos dias de hoje, que o faz abandonar, perseguir e humilhar seus filhos mais fragilizados socialmente. Não podemos permitir que tais medidas, com roupagem de legalidade, sejam justificativas para a segregação social, vencida (pelo menos, em tese) em nosso país já há 25 anos, com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

POR TODO O EXPOSTO, REQUEREMOS A VOSSAS EXCELÊNCIAS, Não permitam que sejam aprovados o referido Projeto de Lei e seu Substitutivo (aprovado pela Comissão Especial em dezembro último), para que possamos, por meio da criação de um amplo e representativo Grupo de Trabalho, esclarecer as contradições e ameaças de violações a Direitos Humanos Fundamentais, construir e pactuar novas propostas, tendo em vista a possibilidade de grande retrocesso do Estado Brasileiro nas suas políticas de garantia e defesa dos direitos humanos, assim como violação à Constituição Federal, legislações internas e pactos internacionais em que é signatário o Brasil.

Belo Horizonte, 06 de março de 2013.

1. Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável – CNDDH
2. Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA
3. Movimento Nacional da População em Situação de Rua – MNPSR
4. Pastoral Nacional do Povo da Rua
5. Conselho Federal de Psicologia
6. Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais – CRP 04
7. Frente Nacional sobre Drogas e Direitos Humanos

8. Fórum Mineiro de Saúde Mental
9. Fórum Mineiro de Direitos Humanos - FMDH
10. Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais – ASUSSAM
11. Frente Mineira sobre Drogas e Direitos Humanos
12. Associação Loucos Por Você – Ipatinga/MG
13. Núcleo Antimanicomial do Pará
14. Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba – FLAMAS (SP)
15. Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial – Libertando Subjetividades (PE)
16. Núcleo de Estudos pela Superação dos Manicômios – NESM/BA
17. Associação Chico Inácio (AM)
18. Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária – BH/MG
19. Rede de Saúde Mental e Economia Solidária – ECOSOL/SP
20. Movimento Pro-Saúde Mental do DF
21. Associação Metamorfose Ambulante de Usuários e Familiares dos Serviços de Saúde Mental – AMEA/BA
22. Núcleo CNDDH-PSR-MNCR Distrito Federal 
23. Núcleo CNDDH-PSR-MNCR Fortaleza
24. Associação Franco Rotelli – Santos/SP
25. Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional – RENETO
26. CEBES – Centro Brasileiro de Estudos da Saúde
27. CONAM – Confederação Nacional da Moradia
28. Rede Nacional Lai Lai – População Negra e AIDS
29. Rede de Mulheres Negras do Paraná
30. Fórum Nacional de Mulheres Negras
31. Liga Brasileira de Lésbicas
32. Sapatá – Rede Nacional de Promoção e Controle Social em Saúde de Lésbicas Negras
33. Articulação de Organização de Mulheres Negras
34. Associação de Travestis e Transexuais da Paraíba
35. Movimento Nacional da População de Rua
36. Núcleo CNDDH-PSR-MNCR São Paulo
37. Fórum Cearense da Luta Antimanicomial
38. Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais
39. Executiva Nacional de Estudantes de Enfermagem
40. Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
41. Frente Estadual Antimanicomial/SP
42. Conselho Federal de Serviço Social
43. Núcleo CNDDH-PSR-MNCR Rio de Janeiro
44. Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO 
45. Instituto de Defesa de Direitos Humanos – IDDEHA
46. Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa PR
47. Núcleo de Direitos Humanos da Polícia Militar PR
48. Congregação da Missão – Irmãos Vicentinos
49. Pastoral do Povo da Rua de Belo Horizonte
50. Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Curitiba
51. Movimento da População de Rua do Paraná
52. Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná – SEJU
53. Programa de Extensão “Políticas Públicas e Direitos Humanos” da UFPR
54. Conselho Permanente de Direitos Humanos – COPED
55. Universidade Federal de Santa Cataria
56. Conselho Regional de Serviço Social – 11ª. Região – CRESS-PR
57. Província Brasileira da Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo / Casa da Acolhida
58. Conselho Federal de Nutricionistas – CFN
59. Conselho Regional de Serviço Social 6ª. Região/MG
60. Núcleo CNDDH Salvador
61. Coletivo DAR – Desentorpecendo a Razão/SP
62. ABORDA - Associação Brasileira de Redutores de Danos
63. Rede Goiana de Redução de Danos
64. Frente Estadual sobre Drogas e Direitos Humanos da São Paulo
65. Núcleo Estadual de Defesa de Direitos Humanos PSR e CMR - Paraná



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