Holocausto Brasileiro silencioso e desumano
Por Letícia Bender
Acadêmica de Jornalismo do CEULP/ULBRA
“O repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o que era
silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome,
história e identidade àqueles que, até então, eram registrados como
‘Ignorados de tal’. Eram um não ser”. O prefácio, escrito por Eliane
Brum, introduz o livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex.
Lançado em junho deste ano, o livro dá voz às vítimas do maior hospício brasileiro localizado em Barbacena – MG. O Colônia,
como é chamado, começou a funcionar em 1903 e tornou-se destino de
desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras,
alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os
tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos, escreve Arbex.
“Cerca
de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos,
alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, gente que
se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas,
violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido
pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros as quais perderam
a virgindade antes do casamento. Eram homens e mulheres que haviam
extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos
trinta e três eram crianças.”
(En)Cena – O que lhe motivou a escrever o "Holocausto Brasileiro"?
Daniela Arbex–
O fato de essa ser uma história desconhecida da maioria do país. Como
60 mil mortes ocorreram durante oito décadas dentro de uma instituição
brasileira e a nação jamais soube disso? Logo que tive acesso aos
números, senti necessidade imediata de encontrar os rostos dessa
tragédia. Holocausto brasileiro é a história contada pelo olhar de quem
sentiu na carne toda essa dor e sobreviveu.
(En)Cena – Qual sua ligação com esse tema?
Daniela Arbex–
Tudo que diz respeito à defesa dos direitos humanos me atrai. Me
considero uma porta-voz das vítimas silenciosas. O que busco com o meu
jornalismo é fazer a sociedade enxergar os invisíveis. Além disso, sou
brasileira e a dor dos pacientes da Colônia é a dor de todos nós. Não é
possível ficar indiferente à barbárie, a injustiça e a covardia.
O que sempre digo é que a verdade tem força, mesmo 50 anos depois, como
no caso do Holocausto brasileiro. A indiferença alimenta o extermínio.
Não podemos mais continuar fingindo que não vemos. Por isso, o meu sonho
é que o livro possa fazer com que a exclusão dê lugar ao acolhimento.
Todos nós conhecemos alguém que não se ajusta as normas sociais. Então
cada um de nós tem motivo suficiente para lutar pela humanização do
atendimento oferecido aos considerados insanos. Não podemos permitir que
modelos como o Colônia ainda tenham espaço na nossa sociedade.
(En)Cena
– Qual é o seu objetivo com o "Holocausto"? Como jornalista, qual é a
responsabilidade que você tem ao escrever esse livro?
Daniela Arbex–
Meu desejo é que o Brasil conheça a extensão dessa tragédia. O meu
desejo é que este livro inspire a sociedade na busca da verdade e da
justiça. Como porta-voz das vítimas silenciosas, utilizo o jornalismo
para dar voz aos socialmente mudos.
(En)Cena – Qual a história que mais te impressionou?
Daniela Arbex–
A do bombeiro João Bosco. Nascido dentro do Colônia, ele foi retirado
da mãe aos 2 anos de idade. Os dois passaram a vida inteira separados.
Ela sofrendo por não saber como enterrar um filho vivo e ele por achar
que foi rejeitado. Somente em 2011 eles se reencontraram e puderam,
enfim, conhecer toda a verdade. Duas vidas destruídas por um sistema
excludente e injusto.
(En)Cena – E hoje o prédio do Colônia é utilizado de que forma? O que foi feito dele?
Daniela Arbex–
O hospital continua funcionando, mas deixou de ser uma unidade
unicamente psiquiátrica para atender outras especialidades médicas.
Tornou-se um hospital regional. Do período do Colônia restam 160 pessoas
que tem sobrevida estimada em, no máximo, mais dez anos.
(En)Cena
– No fim do prefácio, escrito por Eliane Brum, ela afirma que "o
holocausto ainda não acabou". Onde ele ainda existe? Como se manifesta?
Daniela Arbex–
É verdade. O holocausto não acabou e se manifesta em modelos de
atendimento desumanizados e excludentes que reproduzem as condições
indignas do Colônia. Instituições como essa estão espalhadas por todo o
país, basta verificarmos o levantamento das últimas caravanas realizadas
no país para checar o atendimento oferecido em hospitais psiquiátricos.
(En)Cena – Mas afinal, de quem é a culpa de toda essa barbárie?
Daniela Arbex–
De toda a sociedade. Do governo brasileiro por ter permitido a
existência de uma barbárie como essa, de funcionários, médicos,
familiares que se omitiram diante deste genocídio. A responsabilidade
pelo nosso holocausto é coletiva.
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