São Paulo e Rio têm sistemas precários para acompanhar internações involuntárias
Sábado,20 de de 2009 06:06
Oito anos de reforma da assistência a doentes mentais no País ainda não garantiram uma fiscalização adequada das internações psiquiátricas involuntárias, as que ocorrem contra a vontade do paciente. Isso porque ainda não há comissões fiscalizadoras de sua necessidade. A situação dá margem para que os direitos dos doentes sejam desrespeitados. Só na capital paulista, uma média de 14 pessoas foram internadas diariamente em hospitais psiquiátricos contra a própria vontade em 2008, um total de 5.055 indivíduos, segundo dados inéditos da instituição. As comunicações foram feitas ao Ministério Público do Estado de acordo com o preconizado pela Lei 10.216, que determinou, a partir de 2001, que as internações deveriam ser o último recurso terapêutico e que, se não houvesse consentimento do doente, deveriam ser levadas às promotorias em 72 horas. No entanto, apesar do esforço, o sistema de comunicação via internet só funciona na capital - no restante do Estado, é feito por papel. Também não existe, como previsto em portaria de 2002, uma comissão externa de médicos e outros profissionais para revisar as internações após sete dias, o que deveria ser implantado pelo governo estadual, com a possibilidade de participação de usuários dos hospitais psiquiátricos. Além disso, na maioria das vezes, não há dados específicos do diagnóstico. "Os promotores trabalham só mediante denúncia", reconhece o promotor Reynaldo Mapelli, responsável pela área de saúde do Centro de Apoio Operacional Cível. O próprio Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos - que levou em conta aqueles que estão há pelo menos um ano em hospitais -, trabalho inédito do governo paulista que será apresentado nesta semana, alerta que 77% das internações de 6.349 pacientes foram involuntárias. Entre as suas recomendações, reconhece a necessidade de criação da comissão revisora, além de todas as ações necessárias para acabar com pacientes moradores, situação que contraria a lei, pela qual instituições asilares são proibidas. Além disso, São Paulo não realizou nem mesmo a última avaliação dos hospitais psiquiátricos do Ministério da Saúde, o que ajudaria a ter um quadro mais atualizado sobre a qualidade da assistência. A secretaria informou que participará da próxima avaliação e que já discute implantar a comissão. A precariedade na fiscalização não é exclusividade paulista. "Aqui a comissão está instalada, mas não tem uma regularidade que eu possa dizer que seja a contento", admite o gerente de saúde mental do Estado do Rio de Janeiro, Marcos Gago, onde só a capital tem cerca de 2 mil internações involuntárias por ano e o Estado, 3 mil pacientes moradores. As comunicações chegam todas por papel ao Ministério Público fluminense. "O MP não consegue lidar com tantas informações. A questão da reforma não é acabar com as internações, mas dar qualidade a tudo isso", diz Gago. O Estado estuda criar comissões regionais. O controle das internações foi o meio de garantir o direito à cidadania dos doentes, explica Paulo Amarante, responsável pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fundação Oswaldo Cruz. "Uma pessoa recolhida assim não tem visibilidade social e há risco de a internação ser feita por uma herança, por uma briga de casal", diz o especialista. Amarante acrescenta, no entanto, que não só as internações involuntárias como as voluntárias - que pela lei têm de ter termo de livre consentimento do paciente - deveriam ser fiscalizadas. "É muito nebuloso. Hospitais registram como voluntária para não ter burocracia." O especialista explica ainda que, como a lei não definiu qual seria o papel do Ministério Público na fiscalização, há uma diversidade de entendimentos. Em Pernambuco, por exemplo, o MP tem a prática de efetivamente visitar uma amostra das pessoas internadas, para verificar a real necessidade da hospitalização - hoje sabe-se que, com os remédios existentes, longas internações não são necessárias. Outras promotorias trabalham por meio de denúncia. Sérgio Tamai, responsável pela área de saúde mental da Federação de Hospitais do Estado de São Paulo, diz acreditar que a fiscalização é de difícil implementação, por causa do volume de internações. "É difícil traduzir isso em ações em São Paulo, por exemplo." Afirma ainda que os abusos não ocorrem com frequência. "Isso é ficção, coisa de novela", defende. O Ministério Público paulista só descobriu que uma clínica para dependentes de drogas em Embu Guaçu (a 47 km da capital) fazia internações ilegais após receber relatórios da vigilância sanitária e depois de familiares fazerem denúncias. O local não tinha sequer médico responsável, prontuários em branco, alimentos estragados, ratos e correntes nas portas. As internações involuntárias não eram registradas. Um dos donos da clínica, o ex-cantor Rafael Ilha Pereira, é investigado por suposto homicídio de um paciente que tentou levar à força para o hospital. Além disso, Ilha teria também tentado levar à força uma mulher supostamente usuária de drogas, que disse à polícia que foi o ex-marido que pediu que fosse internada, por vingança. "Não tínhamos conhecimento do que ocorria", diz a promotora Maria Gabriela Manssur. A clínica foi fechada recentemente e repassada a um terceiro. (informações do Estadão)
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