segunda-feira, 6 de maio de 2013

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA EM CRISE

Há algum tempo  não escrevo notas para este manual e talvez hoje nem seja um boa noite para isto. Com panes de memória esqueci meu óculos no trabalho a tarde. Passei três dias sem usar medicação, esqueci, cansada da rotina diária, um tanto estressada, na fase de alerta, resolvi parar. Parar algumas atividades, tentar relaxar, parar de militar, de fazer intervenções de socorro no Ninho. 
Sem sede, as mulheres me procuram na minha casa, telefone e vamos tentando acolher como podemos, intermediando, puxando a rede, estimulando a autonomia. Algumas usuárias em crise aguda na rede institucional, medicadas demoram dar respostas às medicações, outras não aceitam a doença crônica e nem a medicação.
Algumas familias são grande entraves à nossa intervenção, a idéia de louco ajudar louco é inconcebível para alguns, até porque os preconceitos de alguns familiares são maiores que nossas doenças. Cansa. Os loucos deles não são loucos, "tem problemas", "tem depressão apenas", como se a depressão fosse menos grave, esse auto diagnóstico que hoje é um eufemismo para loucura.
Na nossa comunidade, eu, louca clássica ( corri na rua ) há uns vinte anos atrás, numa época que não havia tantas informações e medicações atípicas, fundamos o Amigo no Ninho em 2007, com a vocação de socorrer a crise e lutar por direitos, por acessiblidade, contra o preconceito e discriminação da pessoa que vive com patologias mentais, convidando alguns ex pacientes de hospitais psiquiátricos, já ouvi muitos familiares pedir que "não colocasse idéias" na cabeça de seu parente, porque naquele momento ele estava "bom", semi intensivo ou ambulatorial no CAPS. Dou um sorriso, triste. Encontrei algumas destas pessoas internadas integralmente no HAA ou intensivo nos CAPS, delirantes, com aquela voz empastada de medicação. A idéia de apoio e suporte em saúde mental em rede funciona com uma dificuldade inexplicável após a internalização da idéia de tratamento na comunidade.
Desligando os celulares, saindo do faceboock, recuperando energias. O foco é a prevenção de recaídas. Produzindo intelectualmente, mas sem grandes exigências, valorizando pequenas conquistas ( colocar o carro na garagem, tirar foi mais fácil aprender), só dirijo até a escola que trabalho, uns cinco minutos. Ainda estou na auto-escola.
Consegui minha medicação este mês pelo SUS, dei-me o direito de um presente extravagante adorável: a autobiografia de Arnold Schwarzenegger, que leio em pequenas doses, abraços, nada de coices no cérebro. Penso em voltar a fazer outro idioma, li que a aprendizagem de nova língua estimula o cérebro a produção de novos ramas neurais, no caso do TABs, na minha idade, acredito que é recomendável.
Sem a mordoma Alfred que tinha, agora com a nova lei das domésticas não posso mais tê-las. Serviços domésticos: nomei-os de Monstros Sanguinolentos, Aliens do Mal, sem rostos ou sentimentos. Pior é que tenho certa mania de limpeza e organização. A guerra dos mundos está sempre acontecendo na minha casa, venço algumas batalhas e sou contaminada em outras.
Sobrevivendo. Amanhã e depois serão outros dias.

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