quarta-feira, 23 de abril de 2008

AGONIA E MORTE DE UM MONSTRO SOCIAL: FECHAMENTO DO SANATÓRIO MEDUNA


"Para que as cabeças dos internados sejam mantidas limpas, e para que o seu possuidor seja facilmente classificado, é eficiente raspar seus cabelos, apesar do dano que isso causa à aparência. Com fundamentos semelhantes, alguns hospitais para doentes mentais verificaram que é útil extrair os dentes dos "mordedores", fazer histerectomia em mulheres com tendência para promiscuidade sexual, e realizar lobotomias em briguentos crônicos." Erving Goffman, Manicômios, prisões e conventos, livro de 1961. Onde chama o manicômio de animal social e os pacientes de objetos humanos.

O Sanatório Meduna foi inaugurado em 1954 e consta como um dos mais importantes fatos ocorridos no século XX no Piauí. Logo à entrada encontramos uma grande estátua de bronze de Dom Quixote. Em crise aguda em 1991, delirante, vestida de lençóis azuis, porque era a própria Nossa Senhora Aparecida, com um monte de terços na mão, de madrugada, quase morri de medo do próprio diabo montado naquele cavalo. Tudo negro à noite... durante o dia, me molhei horas debaixo de uma bica, me parece, e dancei numa roda de mulheres loucas que giravam, giravam, molhadas sob o sol. Um desorientado, não conta os dias, nem localiza-se no espaço. Só sabia que estava presa, numa enfermaria escura, chamada de porão, onde ficam as mais agitadas. Lembro das grades, das camas fedorentas e de mulheres idosas amarradas à cama, contidas na línguagem da enfermagem. Como Santa Teresinha, precisava aliviar o sofrimento delas. Alguns minutos na posição do crucificado, era como continham àquela época, o antipsicótico e outros medicamentos associados no coquetel psi que aplicam, fazem sua boca ficar seca, muito seca, dói... então eu enchia minha boca de água e rapidamente molhava os lábios dela, já que não me deixavam dar água a elas. Interpretando que eu beijava aquelas mulheres, e realmente chegava a desamarrar alguma delas, me continham no lugar delas, para que eu aprendesse a lição.
Mesmo no delírio se alguém houvesse me explicado onde eu estava e o motivo das contenções, acredito que teria entendido. Sai bem machucada desse pavilhão. Pra minha casa, amigos me resgataram, convenceram minha mãe que eu não era louca (?), pediram minha alta e me levaram para casa, impregnada, babando.

A uns dois anos atrás visitei uma amiga lá. Passou a mão no cabelo e os piolhos andavam sobre os dedos dela. Exigi que o serviço de enfermagem aplicasse medicação e me deixasse usar um pente fino. O que não me deixaram que fizesse.

Fiz um pouco mais por outra amiga, consegui com o Serviço Social a transferência dela do "porão"
das agitadas para uma enfermaria mais calma.

Ambas orientadas, mantidas em internações longas, um mês ou mais, porque a família acredita que o hospital cura e vai devolver o paciente são ou o mantém lá como uma espécie de punição.

O fechamento do sanatório na atual conjuntura da reforma psiquiátrica, conclui-se: a loucura não é mais bom negócio, o grupo empresarial que está com intenções de compra não pretende gerir o hospital. Seu 200 leitos irão, na política da SESAPI, via Gerência da Saúde Mental, dividir-se em leitos em hospitais gerais, serviços de referência em álcool e drogas também em hospitais gerais e finalmente se o município não fizer, o Estado se ver na obrigação de abrir os CAPS III, serviço substitutivo aberto 24 horas.

Que o prédio se transforme no que de melhor tem o capitalismo, de beleza, assepsia, deslumbramento consumista aos olhos: um shopping center.



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PSIQUIATRIA SEM HOSPÍCIO

POR UMA CLÍNICA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA: COM SUBJETIVIDADE, MEDICAÇÃO COM MENOS EFEITOS COLATERAIS E MAIOR PODER DE RESOLUTIVIDADE ASSOCIADA A PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.