domingo, 27 de abril de 2008

DA NECESSIDADE DE RESIGNIFICAR A VIDA TODOS OS DIAS: MAIS TARDE COMPRAREI CEBOLAS...


Longos anos de convivência com o transtorno, como paciente, como cuidadora, na militância incisiva em defesa de um melhor atendimento nos serviços psiquiátricos em Teresina. Acordei hoje com esse termo caro a clínica da reforma psiquiátrica: a necessidade que temos, nós que convivemos constantemente com a instabilidade dos sintomas (acredito que não só os bipolares), mas com esse bicho de sete cabeças, multi facetado, do qual somos hospedeiros, o transtorno mental. Uma amiga soro positivo diz que tem o bichinho da maçã. Quando a conheci era início da década de noventa, ela continua muito bem, casou novamente, se tornou avó e tem um lindo sorriso. Militante cidadã positiva. Um desses exemplos que nos permite olhar acima do nosso umbigo.
As crises ciclícas (bipolares) que me acometem há quase um ano me reensinam a cada dia que as estratégias de convivência com a doença que me deixaram fora de crise por dezesseis anos, precisam ser reatualizadas, como se reatualiza um antivírus para o computador. O que parece é que as manifestações dos sintomas estão mais resistentes a medicação, trocadas várias vezes e as terapias complementares que sempre fui adepta... ou de uma forma mais pessimista ainda: transtorno mental e o stress da vida moderna, são realmente incompatíveis. Vivemos em uma sociedade que cria novos loucos a cada dia. Produz pânico, fobia social, e como naqueles filmes de ficção, que as pessoas não se tocam mais para o coito sexual, alguns fazem somente sexo virtual, para em hipótese alguma ceder, ao amor romântico, à idéia de família, à mesa com os filhos e a preocupação em dar uma infância feliz para eles. Chamem-me de bucólica, é disso que nesse momento preciso. Uma bela paisagem verde, com bichos ruminando, velhos e crianças suaves, humanos.
Depois do "grande surto" de 1991, já famoso nestes meus escritos, decidi nunca mais ser infeliz todo dia, cada dia de lucidez, que a roupa me fica ao corpo, que uso o banheiro e uso o caixa eletrônico, sendo dona do meu dinheiro, começo e termino namoros sem passar por uma internação integral, porque infelizmente amor é emoção de risco para nós psicóticos. Sendo que na nossa cultura pós-moderna as relações de gênero constituem-se a meu ver, uma das piores relações interpessoais. Não há escola que se aprenda senão a do caráter e da bondade.
Mais tarde irei ao mercado comprar entre outras coisas que faltam na cozinha, cebolas brancas, porque são mais baratas que as roxas...

quarta-feira, 23 de abril de 2008

AGONIA E MORTE DE UM MONSTRO SOCIAL: FECHAMENTO DO SANATÓRIO MEDUNA


"Para que as cabeças dos internados sejam mantidas limpas, e para que o seu possuidor seja facilmente classificado, é eficiente raspar seus cabelos, apesar do dano que isso causa à aparência. Com fundamentos semelhantes, alguns hospitais para doentes mentais verificaram que é útil extrair os dentes dos "mordedores", fazer histerectomia em mulheres com tendência para promiscuidade sexual, e realizar lobotomias em briguentos crônicos." Erving Goffman, Manicômios, prisões e conventos, livro de 1961. Onde chama o manicômio de animal social e os pacientes de objetos humanos.

O Sanatório Meduna foi inaugurado em 1954 e consta como um dos mais importantes fatos ocorridos no século XX no Piauí. Logo à entrada encontramos uma grande estátua de bronze de Dom Quixote. Em crise aguda em 1991, delirante, vestida de lençóis azuis, porque era a própria Nossa Senhora Aparecida, com um monte de terços na mão, de madrugada, quase morri de medo do próprio diabo montado naquele cavalo. Tudo negro à noite... durante o dia, me molhei horas debaixo de uma bica, me parece, e dancei numa roda de mulheres loucas que giravam, giravam, molhadas sob o sol. Um desorientado, não conta os dias, nem localiza-se no espaço. Só sabia que estava presa, numa enfermaria escura, chamada de porão, onde ficam as mais agitadas. Lembro das grades, das camas fedorentas e de mulheres idosas amarradas à cama, contidas na línguagem da enfermagem. Como Santa Teresinha, precisava aliviar o sofrimento delas. Alguns minutos na posição do crucificado, era como continham àquela época, o antipsicótico e outros medicamentos associados no coquetel psi que aplicam, fazem sua boca ficar seca, muito seca, dói... então eu enchia minha boca de água e rapidamente molhava os lábios dela, já que não me deixavam dar água a elas. Interpretando que eu beijava aquelas mulheres, e realmente chegava a desamarrar alguma delas, me continham no lugar delas, para que eu aprendesse a lição.
Mesmo no delírio se alguém houvesse me explicado onde eu estava e o motivo das contenções, acredito que teria entendido. Sai bem machucada desse pavilhão. Pra minha casa, amigos me resgataram, convenceram minha mãe que eu não era louca (?), pediram minha alta e me levaram para casa, impregnada, babando.

A uns dois anos atrás visitei uma amiga lá. Passou a mão no cabelo e os piolhos andavam sobre os dedos dela. Exigi que o serviço de enfermagem aplicasse medicação e me deixasse usar um pente fino. O que não me deixaram que fizesse.

Fiz um pouco mais por outra amiga, consegui com o Serviço Social a transferência dela do "porão"
das agitadas para uma enfermaria mais calma.

Ambas orientadas, mantidas em internações longas, um mês ou mais, porque a família acredita que o hospital cura e vai devolver o paciente são ou o mantém lá como uma espécie de punição.

O fechamento do sanatório na atual conjuntura da reforma psiquiátrica, conclui-se: a loucura não é mais bom negócio, o grupo empresarial que está com intenções de compra não pretende gerir o hospital. Seu 200 leitos irão, na política da SESAPI, via Gerência da Saúde Mental, dividir-se em leitos em hospitais gerais, serviços de referência em álcool e drogas também em hospitais gerais e finalmente se o município não fizer, o Estado se ver na obrigação de abrir os CAPS III, serviço substitutivo aberto 24 horas.

Que o prédio se transforme no que de melhor tem o capitalismo, de beleza, assepsia, deslumbramento consumista aos olhos: um shopping center.



quarta-feira, 16 de abril de 2008

ENCONTRO DO DIA 18 DE MAIO - DIA NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL - MNLA

“Fortalecendo a construção de práticas antimanicomiais nos serviços substitutivos”

29,30 E 31 DE MAIO/2008

Palestras e mesas redonda:

· O contexto atual e a trajetória do MNLA no Brasil

· A importância do MNLA para o impulsionamento da Reforma psiquiátrica do Piauí

· A construção de práticas antimanicomiais no cotidiano dos serviços substitutivos

· O papel dos movimentos sociais na conquista dos direitos

· Formação antimanicomial: porque e para que ensinamos?

· A cultura como um viés na inclusão social

· A defesa dos direitos dos portadores de transtorno mental

· A experiência subjetiva do sofrimento psíquico: a visão do usuário sobre si, sua condição e seus direitos

· A incidência dos transtornos mentais nos movimentos sociais

· O contexto atual da Reforma Psiquiátrica no Piauí

· Apresentação do documentário: Vozes da loucura

Convidado Especial: Nilo Marques Neto ( Militante do MNLA e idealizador da Caminhada do Orgulho Louco)

Promoção: Ao se inscrever no Encontro você ganhará um ingresso para a peça: Magno Pirol, de Graco Alves, inspirada no livro “A história da loucura”, de Michel Foucault. O espetáculo convida a platéia a sair da posição de espectador, com um debate iniciado por dois psicanalistas que acompanham o ator.

INFORMAÇÕES : 88256679 / 94099065 /32333796 OU

e-mail: ancora.pi@ig.com.br

ORGANIZAÇÃO:ÂNCORA – PI( Associação dos Portadores de Transtorno Mental, familiares e pessoas interessadas na Saúde Mental do Piauí.)

sábado, 12 de abril de 2008

A EDUCAÇÃO POPULAR E A CAPACITAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS EM DEFESA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS



Hoje, 12/04/08 aconteceu o segundo módulo desta capacitação, com o tema Controle Social e Saúde: uma questão de cidadania. Várias entidades presentes. Estivemos lá, enquanto Ninho, infelizmente o movimento de usuários em saúde mental, ainda é muito distante dos movimentos sociais aqui em Teresina. Nossa representatividade é mínima nas lutas pela saúde. Encontramos por lá várias (os) companheiros, principalmente bipolares, representando outras entidades.
Nossa fala é novidade. Saúde mental é estigmatizada até na organização pela saúde coletiva, pública e de qualidade. Temos verdadeira pandemia de transtornos mentais, que superlotam nossos hospitais psiquiátricos e serviços substitutivos, mas não tem a visibilidade de um surto de dengue ou outra doença que mata.
Enquanto isso nós do Ninho acompanhamos vários usuários dos diversos diagnósticos, com tentativas de suicídios. Somente aqueles que tem plano de saúde conseguem fazer uma psicoterapia com qualidade que realmente os ajude. Aqueles que recorrem ao SUS se deparam em nossos CAPS
somente com a terapia ocupacional da era do potinho de cerâmica para pintar e a psicologia grupal. Com todas as patologias juntas, sem se respeitar a tão propalada subjetividade e especificidade de cada sujeito. É função do movimento de usuários dos serviços psiquiátricos, com companheiros que mesmo com limitações gerenciam a própria vida, se mantém, muitas vezes porque desenvolveram estratégias pessoais de convivência sã e lúcida com o transtorno, passarem longos períodos fora das crises, denunciar, defender um melhor atendimento psiquiátrico aqui em Teresina e para isso é preciso se mostrar. Se assumir como pessoa que vive com transtorno mental.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

IV CONGRESSO NACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL EM SAÚDE - 09 A 11 de 2008 Campinas/São Paulo



Meu trabalho "Resignificando a atuação do Assistente Social no plantão psiquiátrico do Hospital Areolino de Abreu", Teresina-Pi, foi aceito para apresentação em forma de poster, no IV CONASS que tem como tema as "Políticas Públicas de Assistência Social e Saúde: Desafios na construção da universalidade de direitos". Professora Lúcia Rosa, minha orientadora, minha ponte, porque alguns professores são pedras no meio do caminho, outros são pontes fantásticas. Viajou ontem, me representa como co-autora.
Interessante é que esta experiência que nasceu de um trabalho acadêmico, abriu um espaço novo de campo de estágio para os estudantes de Serviço Social, aprenderem e darem sequência ao que começamos, "plantar flores no inóspito solo do manicômio", que gostaríamos que já decrepitasse depois de um século completado no ano passado.
Bem, o assistente social afinizado com os ideais da Reforma cumpre seu papel, apesar de todas as limitações impostas pela instituíção e a realidade da questão social, que sempre bate à porta da psiquiatria manicomial.



RESUMO SUBMETIDO AO IV CONASS

O único serviço psiquiátrico piauiense que conta com plantão 24 do Serviço Social se situa no Hospital Areolino de Abreu, hospital público estadual, referência do SUS na assistência psiquiátrica estadual. Conforme Vasconcelos (2007) o plantão se caracteriza por ser uma atividade receptora de qualquer demanda da unidade de saúde, objetivando “resolver o(s) problemas do usuário. A experiência de estágio curricular supervisionado do Curso de Serviço Social da UFPI, durante o ano 2007, teve como projeto de intervenção a resignificação da atuação do assistente social no supracitado serviço, tendo em vista a constatação de que alguns assistentes sociais não se consideravam realizando uma prática profissional de Serviço Social, porque consideravam que no serviço de plantão seria impossível planejar a prática, em função das demandas espontâneas preponderarem. O trabalho de pesquisa no “livro de ocorrência” – de 2001 a 2007, que consiste em um caderno de notas que serve de registro do que se passa no cotidiano do Plantão do Serviço Social e comunicação entre os assistentes sociais do hospital, serviu de base. A sistematização das informações do citado livro demonstrou a regularidade de certas ações, a existência de demandas implícitas e desmistificou a crença comum na ausência de uma rotina. Algumas notas se repetiam com pequenas variações, mas caracterizavam uma mesma situação, classificadas como ocorrências regulares, totalizando 25. A ocorrência de maior incidência esteve relacionada a evasões de pessoas com transtornos mentais. A segunda regularidade expressiva circunscreveu o acolhimento de pessoas desacompanhadas, encontradas no geral na rua, transportadas pela policia ou SAMU. Assim, elencou-se as ações rotineiras do Serviço Social no Plantão, demonstrando-se que é possível planejar a prática do assistente social.
REFERENCIAS
VASCONCELOS, AM. A prática do Serviço Social – cotidiano, formação e alternativas na área da saúde. São Paulo: Cortez,2007

PSIQUIATRIA SEM HOSPÍCIO

POR UMA CLÍNICA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA: COM SUBJETIVIDADE, MEDICAÇÃO COM MENOS EFEITOS COLATERAIS E MAIOR PODER DE RESOLUTIVIDADE ASSOCIADA A PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.