quarta-feira, 15 de maio de 2013

LUTA ANTIMANICOMIAL NO SUL (COPIA PIAUÍ!)

Arte e loucura nas ruas aproximam população da luta antimanicomial

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Rachel Duarte 
Apesar dos esforços de alguns setores para acabar com o modelo dos manicômios que surgiram no início do século 19, autoridades brasileiras ainda defendem o uso de instituições de confinamento total para tratamento de dependentes químicos e pessoas com problema de saúde mental. Contra este pensamento, o dia 18 de maio foi instituído como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Criado em 1987, quando ocorreu a primeira Conferência Nacional de Saúde Mental, a data auxilia no avanço da reforma psiquiátrica no país. No Rio Grande do Sul, uma extensa agenda pretende sensibilizar a sociedade sobre o tema por meio de debates, audiências públicas e intervenções urbanas que misturam arte e loucura.
Nesta segunda-feira (13), quem passou pelo Largo Glênio Peres foi provocado a participar das atividades organizadas pela Secretaria Estadual de Saúde em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e entidades parceiras. Sem precisar fazer nenhum convite direto, a estrutura montada no Centro de Porto Alegre atraiu desde os curiosos que apenas espiavam de longe até os que faziam questão de entrar na brincadeira.
Ex-usuário da Saúde Mental diz que se libertou do sofrimento psíquico por meio da arte | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Um grupo voluntário de artistas se encarregou de estender faixas enormes no chão do Largo e pintou ao vivo palavras relacionadas à luta antimanicomial. Ainda sujo de tinta, o artista Alexandro Monteiro, disse que por meio da arte se libertou de seu sofrimento psiquiátrico. “Fiz tratamento no CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) de Canoas. Sou natural do Rio de Janeiro, onde descobri uma bipolaridade. Agora estou retomando a minha vida com calma, tranquilidade e um pouco de ansiedade, pois todo mundo tem. A arte ajuda a libertar o paciente que está no grau de estresse, ansiedade e loucura. A arte é isso”, falou, estourando um balão em frente à reportagem.
Monteiro é ex-usuário do serviço estadual de Saúde Mental e esta semana trabalha como voluntário do grupo de artistas que realizará uma série de intervenções urbanas por meio da arte. O grupo de atores foi convidado pela funcionária da Coordenação Estadual de Saúde Mental, Carolina Pomer para desenvolver a agenda da Semana de Luta Antimanicomial do RS. “Pensamos em ocupar a cidade com a loucura, que tem tudo a ver com a arte. O isolamento nas instituições é o mesmo princípio da lógica de higienização das ruas, de retirar das nossas vistas aquilo que não queremos ver. Estamos vendo isso neste debate sobre a internação compulsória em discussão no Congresso Nacional. Esta é, de certa forma, uma realidade vivenciada na prática pelos atores que sofrem repressão por realizar intervenções urbanas ou manifestações artísticas nas ruas”, compara.
Jogo de vôlei no meio do Largo Glênio Peres atraiu público que passava pelo Centro de Porto Alegre |  Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
‘Consultório’ na calçada descontroi lógica convencional das instituições 
Pessoas passavam pela rua e se sentiam provocadas a ‘fazer uma consulta’. Sem medicamentos ou médicos, os artistas conversavam e davam chocolate aos ‘pacientes’ | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Além das oficinas teatrais, ações simples estimulam as pessoas nas ruas a deixar de lado a correria e dedicar alguns minutos à própria alegria e lazer. O que era visto como ‘papo de louco’ por alguns que circularam pelo Largo Glênio Peres. Os mais abertos rebatiam uma bola arremessada pelos atores no primeiro que cruzava o espaço em que jogavam vôlei. Alguns, mesmo com maletas e bolsas, se esforçavam para rebater. Outros acharam tudo muito esquisito.
Por meio do grupo de voluntários do grupo Espaço Liso, coordenado por professores da Ufrgs, um pseudo-consultório psiquiátrico foi montado no meio do Largo. Artistas e psicólogos usavam jalecos e sentados a uma mesinha realizavam consultas na hora. Os pacientes não eram convidados e mesmo assim, fizeram do espaço um dos mais requisitados da oficina. “Eu vi o pessoal da medicina aqui e sentei para conversar um pouco”, relatou Jorge Adroaldo Marques da Silva que parou para um ‘atendimento’.
Sem saber que não se tratavam de médicos ou psiquiatras, o senhor de 59 anos parou e realizou longa conversa com as ‘doutoras’. Ao final, recebeu um receituário especial que na verdade o recomendava seguir falante e animado com a vida, além de alguns pequenos chocolates coloridos, para simular medicamentos. “A ideia de utilizar estes instrumentos é para desconstruir a lógica convencional da instituição, com receituários e remédios controlados. É uma brincadeira que tenta desmitificar o encontro com o psiquiatra e mostrar que outras coisas podem fazer bem para as pessoas, como tomar mais sol, conversar, fazer um passeio”, explica a professora Eleonora Valenzuela Graebin.
As intervenções urbanas antimanicomiais seguirão acontecendo pela manhã e à tarde até o próximo sábado (18), Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Nesta terça-feira (14), a ação ocorrerá a partir das 17 horas, na frente da Escola de Saúde Pública, na Avenida Ipiranga. Na quarta-feira (15), o foco será um debate com autoridades ligadas à saúde mental, na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. A audiência pública está marcada para as 09h40min no Plenarinho e também debaterá a internação compulsória de dependentes químicos. A partir das 18 horas, ocorrerá o lançamento do Clube de Cinema São Pedro Cidadão, com sessões comentadas de filmes relacionados ao tema.
Peça teatral faz integração entre usuários da saúde mental brasileira e italiana 
Coordenadora do grupo de usuários-artistas, a funcionária Carolina Pomer diz que histórias reais de usuários são verdadeiros espetáculos em cena |  Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Já na quinta-feira (16), a oficina ocorrerá às 17h30min na Praça do Planetário e a partir das 19h30min no Hospital Psiquiátrico São Pedro, onde também ocorrerá show artístico com o grupo Lá Fora. Na sexta-feira (17), as atividades também serão focadas na instituição. O ponto alto da programação será no sábado (18), com a apresentação do espetáculo teatral ‘Azul como Liberdade’, uma parceria da academia italiana de teatro Della Follia com a Secretaria Estadual de Saúde.
“São usuários de uma instituição manicomial extinta na Itália. Os nossos usuários do São Pedro e da rede de saúde mental estão ensaiando (para atuar com eles) há três meses. Eles têm o corpo institucionalizado. São vidas de quase 40 anos dentro de uma instituição. Alguns tomam medicação psiquiátrica que deixa o corpo todo enrijecido. Nosso desafio é trazer, com um olhar de fora, um corpo presente, fazendo os que não falam voltar a falar, puxando a voz interior ou mesmo o silêncio de quem não falava mais, porque não tinha mais com quem falar”, revela Carolina Pomer, que ensaia o grupo. Segundo ela, o espetáculo, marcado para as 20h no Hospital São Pedro, deve emocionar o público. “As histórias de vida deles já são peças inteiras, quase filmes que colocamos em cena. Se tu colocas isso em peça, alguns acham exagero, mas é a pura realidade”, conta.
Além da programação de sensibilização por meio da arte, a Semana de Luta Antimanicomial pretende aproximar as pessoas de algo que não lhes é tão distante, ao contrário do que muitos acreditam. Segundo a Organização Mundial da Saúde, pelo menos 10% da população global tem sofrimento mental e 3% terá sofrimento psíquico grave persistente em algum momento da vida.
“Lutamos pelo cuidado em liberdade”, diz funcionária da Saúde Mental do RS
Saúde Mental do RS gasta em média R$ 5 mil/mês por leito psiquiátrico. São quase 1,3 mil leitos reservados em hospitais do estado | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Para a representante da Coordenação de Saúde Mental do RS, Ana Carolina Rios, a semana também pode fortalecer o movimento contra o tratamento de pacientes em instituições fechadas. “É um debate antigo. A Lei da Reforma Psiquiátrica já tem 20 anos e na década de 80 esta luta foi mais próxima da população. Não temos como transformar sem envolver a população. O debate de hoje envolve os usuários de drogas, com discussão de iniciativas retrógradas de internação compulsória e instituição total. Estamos trabalhando junto ao governo federal por melhores condições de trabalho contra as privatizações na saúde para melhor atendimento na rede e na ampliação da estrutura”, conta.
A rede pública de saúde do Rio Grande do Sul conta com 167 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para atendimento em saúde mental. Há também 1.245 leitos psiquiátricos reservados nos hospitais do RS. Para mantê-los, o estado desembolsa mensalmente uma média de R$ 5 mil por leito. Nos municípios com menos de 20 mil habitantes, os Caps são substituídos por equipes do Programa de Saúde da Família. “Lutamos pelo cuidado em liberdade e queremos mostrar que existe uma rede pública de cuidado, que as pessoas contrárias a esta ideia desconhecem”, fala.
Segundo Ana Carolina, o importante é aproveitar o evento lúdico organizado nesta semana para conscientizar as pessoas que o fundamental neste debate é não retroceder no que já se conquistou ao longo dos anos. “Acreditamos que envolve todos. Nosso modo de viver contemporâneo tem vários motivos que podem nos levar a sofrimento mental. A nossa vida super acelerada, os problemas de acesso às políticas públicas, os abusos nas relações trabalhistas, enfim, em algum momento precisaremos de algum cuidado, seja da rede especializada ou da rede familiar e de solidariedade. É algo que diz respeito a todos, portanto tem que ser uma luta de todos”, diz. E complementa: “Se nós cederemos às pressões das posições mais conservadoras de que o cuidado em saúde mental só pode ser feito por especialista dentro de uma unidade fechada e com longa permanência, qualquer hora dessas um de nós pode estar lá dentro sendo privado de direitos e de sua liberdade”.

SUL 21

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