Na capital mineira, elas têm se tornado “moda” em escolas tradicionais
da cidade, preocupando psicólogos que dizem estar diante de um
crescimento assombroso no número de alunos medicados. Polêmico, o
assunto envolve a indústria farmacêutica, põe em xeque pesquisas
científicas e divide a medicina. Não sem razão. Diante da bomba relógio
prestes a explodir, laboratórios não divulgam dados de produção nem de
vendas. Órgãos públicos, idem; restando ao Instituto Brasileiro de
Defesa dos Usuários de Medicamentos extrair da publicação de um
instituto suíço, que mantém atualizados os dados do mercado farmacêutico
brasileiro, assombrosos números que dão o sinal da fumaça.
De acordo com o instituto, em 2000 foram vendidas 71 mil caixas dos
psicotrópicos no Brasil, passando para a marca de quase 2 milhões de
caixas em 2009. Em São Paulo, onde as drogas são distribuídas via
Sistema Único de Saúde (SUS), uma pesquisa de 2011 do Fórum sobre
Medicalização da Educação e da Sociedade, composto por cerca de 40
entidades, mostrou que 154 municípios paulistanos compraram em 2005
cerca de 55 mil comprimidos da ‘droga da obediência’. Cinco anos depois,
o consumo saltou para 946 mil, 17,2 vezes maior. A projeção para 2011
era de que a compra chegasse a 1.493.024 de doses.
Em Minas Gerais, contrariando a vontade de muitos psiquiatras, a
medicação ainda não chegou ao SUS, o que configura, para muitos
especialistas, a droga da vez da classe média, já que uma caixa, de
acordo com a dosagem e variação no número de pílulas, custa entre R$ 20 e
R$ 220. Um levantamento do Centro de Estudos de Medicamentos da
Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
feito com crianças diagnosticadas com TDAH em BH tem números
considerados perigosos. “O estudo, ainda em andamento, teve início em
2006 e naquele ano constatamos que a média de consumo da Ritalina em
Belo Horizonte era quatro vezes maior que a média nacional e três vezes
maior que a projeção calculada para o estado. É preocupante”, alerta o
coordenador do centro, Edson Perini.
O especialista diz que o consumo está concentrado nas regiões
Centro-Sul e Leste da cidade. “Percebemos o predomínio do uso pelo sexo
masculino. Em geral, as prescrições estão dentro dos padrões de dosagem,
mas encontramos algumas superdosagens, que não deveriam existir”,
alerta.
Pode ser o caso do pequeno M.A.G, de 9 anos. Aos 7, ao sofrer bullying
na escola, desenvolveu um quadro de depressão e síndrome do pânico. Os
médicos aconselharam os pais a dar Concerta ao garoto, que durante três
meses sob o efeito da droga não dormia, ficou ansioso e perdeu o
apetite. Aí receitaram, além da “droga da obediência”, antidepressivo e
um remédio para abrir o apetite. Os pais recusaram. “O que estão fazendo
com as nossas crianças? Como estão sendo diagnosticados esses
pacientes? E os remédios, como estão sendo prescritos? É algo que está
sendo dado para a ansiedade dos pais, dos educadores e dos psiquiatras
para responder às inquietações dos meninos. Alguém está preocupado com
isso?”, questiona Perini.
CORRENTE CONTRA
Causa insônia, cefaleia, alucinações, psicose e até casos de suicídio.
Faz com que a criança fique quimicamente contida em si mesma, todos
considerados sinais de toxicidade, indicando a retirada da droga. No
sistema cardiovascular o remédio causa arritmia, taquicardia,
hipertensão e parada cardíaca. O risco de morte súbita inexplicada em
adolescentes é maior entre aqueles que tomam o remédio. Além disso,
interfere no sistema endócrino, na secreção dos hormônios de crescimento
e dos sexuais. É uma substância com o mesmo mecanismo de ação e as
mesmas reações adversas da cocaína e das anfetaminas, segundo médicos
que não adotam o medicamento.
CORRENTE A FAVOR
A maioria dos pacientes tolera bem a medicação, que altera o organismo
para que o cérebro funcione melhor. É como um par de óculos: corrige a
maneira como a criança enxerga o mundo. Pacientes agitados, impulsivos,
com dificuldades de aprendizagem, ao usarem o remédio, conseguem prestar
mais atenção nas suas tarefas e aprendem com mais facilidade. O remédio
é seguro e apresenta até 80% de eficácia. Mas deve ser sempre usado com
acompanhamento médico e adequadamente prescrito, segundo seus adeptos.
CONCENTRAÇÃO POTENTE
A Ritalina e o Concerta (nomes comerciais dos remédios produzidos pela
Janssen Cilag e Novartis, respectivamente) têm como princípio ativo o
cloridrato de metilfenidato e são indicados para tratar o transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Ambos, prescritos para
crianças acima de 6 anos, estimulam o sistema nervoso, deixando os
pacientes mais concentrados para a aprendizagem, e facilitam a
circulação da dopamina, neurotransmissor responsável por excitar o
sistema nervoso central. A Ritalina surgiu em meados dos anos 1950 e
está disponível em duas formas: a Ritalina de longa duração, que age no
cérebro por oito horas; e a que age por quatro horas. O Concerta está no
Brasil desde 2004 e tem atuação de 12 horas.
Ponto crítico
Esses medicamentos são tão vilões quanto parecem?
Maria Aparecida Affonso Moysés
doutora em medicina, professora titular de pediatria da Unicamp e membro fundadora do fórum de medicalização
SIM
O consumo exacerbado das “drogas da obediência” é o genocídio do
futuro. Vivemos, sim, uma epidemia. A Ritalina e o Concerta são drogas
derivadas da anfetamina e da cocaína. A medicação age aumentando a
concentração de dopamina (neurotransmissor associado ao prazer). Como o
remédio age por algumas horas, quando o efeito passa, tudo que o usuário
quer é ter aquele prazer de volta. Quem usa esse estimulante fica com a
atenção focada. A criança só consegue fazer uma coisa de cada vez, por
isso, fica quimicamente contida, não questiona nem desobedece. Cada vez
mais os pais estão sendo desapropriados pelos profissionais da saúde e
da educação de ver seus filhos e de ouvir o que eles querem dizer.
Então, se ele está agitado, desatento, impulsivo, vamos dar um remédio
para que fique calado e dopado? É mais fácil lidar com um problema
‘médico’ a mudar o método de educação da criança. O TDAH pode ser o
grito de socorro de uma criança que está vivendo um conflito em
ambientes em torno dela. A pessoa que faz uso desse tipo de remédio tem
de sete a 10 vezes mais chances de ter uma morte súbita inexplicada.
Arthur Kummer
doutor em neurociência e professor de psiquiatria infantil da Universidade Federal de Minas Gerais
NÃO
Os medicamentos não são tão feios quanto dizem. São medicações com
maior índice de eficácia na medicina. Quem sofre do transtorno e faz uso
deles tem de 70% a 80% de melhora no aprendizado. Nenhum outro
medicamento traz essa porcentagem como resultado. Para as crianças em
idade escolar, que sofrem do distúrbio, o tratamento medicamentoso é de
segunda linha: a primeira seria a terapia comportamental, que conta com a
participação dos pais. Mas o grande problema é que há poucos
profissionais dessa área, assim, o remédio passa a ser a primeira opção.
Os efeitos colaterais são bem tolerados pela maioria dos pacientes.
Nunca houve uma morte em virtude das doses. É tão seguro que a Academia
Americana de Pediatria dispensa o pedido de eletrocardiograma antes da
prescrição. No início, o remédio pode alterar um pouco o sono e o
apetite, mas os benefícios superam isso. Meninos da 3ª e 4ª séries, que
não conseguiam ser alfabetizados, depois de medicados, em duas semanas,
conseguiram aprender. Quem não se trata, no futuro terá nível
educacional mais baixo, empregos piores e pode até se envolver com
drogas.